segunda-feira, 14 de novembro de 2016
terça-feira, 1 de novembro de 2016
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Porque é que há estrelas?
e houve aí a resposta que era a descida para o abismo. Ora porque é que há. Porque sim, existem como tudo, não há mais nada que saber. São astros como o sol, mas estão muito longe e parecem mais pequenas, também não perguntas porque é que há o sol e o mar e os animais. Mas tempos depois, porque é que, para que é que, perguntava menos e absorvia em si a fascinação da vertigem. Querido Luc, porque é que. Um dia hás-de ficar com a pergunta sem resposta na mão- vou deitá-la ao lixo? aguento-a até responder? vou pendurá-la ao pescoço como uma medalha de pechisbeque? Um dia chegarás até à última pergunta porque é que, e a Terra e o Universo devolver-ta-ão em eco porque é que. Mas por ora tenho aqui as algibeiras cheias de respostas para a tua inquietação. Porque é que os pássaros voam?
sábado, 8 de outubro de 2016
Dor
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Outono
cavam fundo no corpo;
instalam-se nas fendas; às vezes
por aí ficam com a chuva
apodrecendo;
ou então deixam marcas; as putas,
difíceis de apagar, de tão negras,
duras.
Eugénio de Andrade, O outro nome da terra
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
Cadernos da Casa Morta, Dostoiévski
domingo, 18 de setembro de 2016
Porquê?
Porquê? Para quê? Por nada. Para nada. Mas não perguntes. Passam-se dias que te chamo e não vens. Ou vens mas não és tu. É uma imagem fria de ti, como de tanta coisa que recordo. Oi passas rápida pela lembrança e não te deténs um pouco. Mas outros dias nem sequer te chamo, entretido com o banal quotidiano.
Vergílio Ferreira, Cartas a Sandra
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
sábado, 10 de setembro de 2016
Se tu viesses
Se tu viesses. Porque tudo está preparado para a tua vinda. Os caminhos transbordam de flores silvestres, o sol ilumina-se como um lume novo. Virás decerto na aragem leve, fluida de ausência, a face triste. Ou talvez sorrias no teu alheamento como uma memória que passou. Trarás talvez no rosto o sinal de uma sagração com que os deuses te ungiram na eternidade. E haverá no ondeado do teu corpo o olhar com que te espero. Não tenho pressa, o que é grande e inimaginável leva milénios a acontecer. Eu estarei sentado à tua espera porque é impossível que não venhas quando a terra inteira se preparou para que passasses. Se tu viesses. Tu quem?
Vergílio Ferreira, Escrever
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Escolhas
Com que vida encherei os poucos breves
Dias que me são dados? Será minha
A outros ou a sombras?
À sombra de nós mesmos quantos homens
E um destino cumprimos
Nem nosso nem alheio!
Ó deuses imortais, saiba eu ao menos
Aceitar sem querê-lo, sorridente,
O curso áspero e duro
Da estrada permitida.
Porém nosso destino é o que for nosso,
Que nos deu a sorte, ou, alheio fado,
Anónimo a um anónimo,
Nos arrasta a corrente.
Ricardo Reis
terça-feira, 30 de agosto de 2016
Violoncelo
Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos.
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas, ouçam...
Se se debruçam,
Que sorvedouro!
Lívidos astros,
Soidões lacustres...
Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas.
Blocos de gelo!
Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Despedaçadas...
Camilo Pessanha
...
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
A hora absoluta
- Uma cerveja
e alguém deve ter repetido a ordem até à alavanca final. Sorrio, oh, estou-me nas tintas até aos pêlos do meu ser - o ar está cheio de sol. Alheado, entretenho-me, a atenção dormente como se a um sussurro de um calor de sesta. Na pele da água, voláteis, as películas de luz estremecem, poalha fina. Uma vaga passa, invisível e grande, ao balancear dos meus olhos pelo horizonte, sinto-me bem. É uma hora suspensa, creio que é razão. Houve o amanhecer já antes, vai haver a tarde depois, agora não há nada entre antes e depois. É uma hora absoluta, creio que devia nascer um deus. Que deus? Sei lá. Um deus. Há os que nascem na noite e trazem a noite com eles e a treva e o ranger de dentes. Ou o dia, mas por engano. Devem ter nascido outros pela manhã, hei-de ver nas mitologias. Quanto a esta hora, é flagrante e inteira, há-de haver um deus qualquer à sua espera. Não sou profeta, não trago Messias nenhum nas algibeiras para o jogo da laranjinha. Mãos limpas, jogo limpo. Sei a palavra do fim, a palavra honesta do fim, que foi o que me calhou, e levanto-a ao ar como um gládio, que sempre é mais visível e mais nobre que uma espada:
-Cegos de todo o mundo, deve!
Vergílio Ferreira, Nítido Nulo
domingo, 28 de agosto de 2016
Angústia...
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!
Álvaro de Campos
sábado, 27 de agosto de 2016
Para sempre
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Insónia
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.
domingo, 21 de agosto de 2016
Domingo
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz - eles, eles...
Domingo...
Hoje é a quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo...
Nunca domingo...
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida.
Sobretudo para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo...
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas haverá sempre alguém nas hortas ao domingo...
Álvaro de Campos
9/08/1934