segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Porque é que há estrelas?

Porque é que há estrelas?
e houve aí a resposta que era a descida para o abismo. Ora porque é que há. Porque sim, existem como tudo, não há mais nada que saber. São astros como o sol, mas estão muito longe e parecem mais pequenas, também não perguntas porque é que há o sol e o mar e os animais. Mas tempos depois, porque é que, para que é que, perguntava menos e absorvia em si a fascinação da vertigem. Querido Luc, porque é que. Um dia hás-de ficar com a pergunta sem resposta na mão- vou deitá-la ao lixo? aguento-a até responder? vou pendurá-la ao pescoço como uma medalha de pechisbeque? Um dia chegarás até à última pergunta porque é que, e a Terra e o Universo devolver-ta-ão em eco porque é que. Mas por ora tenho aqui as algibeiras cheias de respostas para a tua inquietação. Porque é que os pássaros voam?
Na tua face, Virgilio Ferreira

A change is gonna come


sábado, 8 de outubro de 2016

Dor

Doem-me a cabeça e o universo. As dores físicas mais nitidamente dores que as morais, desenvolvem, por um reflexo no espírito, tragédias incontidas nelas. Trazem uma impaciência de tudo que, como é de tudo, não exclui nenhuma das estrelas. (...) Dói-me a cabeça porque me dói a cabeça. Dói-me o universo porque a cabeça me dói. Mas o universo que realmente me dói não é o verdadeiro, o que existe porque não sabe que existo, mas aquele, meu de mim, que, se eu passar as mãos pelos cabelos, me faz parecer sentir que eles sofrem todos só para me fazerem sofrer.

Livro do Desassossego, Bernardo Soares

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Outono

O outono vem vindo, chegam melancolias,
cavam fundo no corpo;
instalam-se nas fendas; às vezes
por aí ficam com a chuva
apodrecendo;
ou então deixam marcas; as putas,
difíceis de apagar, de tão negras,
duras.

Eugénio de Andrade, O outro nome da terra

Campos