quinta-feira, 3 de abril de 2014

Um poema por dia...nº14

                                                                                           

Nom me posso pagar tanto
do canto
das aves nem de seu som

nem d'amor nem de missom

5nem d'armas - ca hei espanto
por quanto

mui perigosas som

- come d'um bom galeom

que mi alongue muit'aginha

10deste demo da campinha,

u os alacrães som;
ca dentro, no coraçom,

senti deles a espinha.
  
E juro par Deus lo santo
15que manto

não tragerei, nem granhom,

nem terrei d'amor razom,

nem d'armas, porque quebranto

chanto

20vem delas tod'a sazom;

mais tragerei um dornom,

e irei pela marinha
vendend'azeite e farinha,

e fugirei do poçom
25do alacrã, ca eu nom
lhi sei outra meezinha.
  

Nem de lançar a tavolado
pagado
nom sõo, se Deus m'ampar,

30adés, nem de bafordar;
e andar de noute armado,

sem grado

o faço, e a roldar;
ca mais me pago do mar
35que de seer cavaleiro;

ca eu foi já marinheiro

e quero-m'oimais guardar
do alacrã, e tornar
ao que me foi primeiro.
  

40direi-vos um recado:

pecado
nunca me pod'enganar
que me faça já falar
em armas, ca nom m'é dado
45- doado

m'é de as eu razõar,
poilas nom hei a provar;

ante quer'andar sinlheiro

e ir come mercadeiro
50algũa terra buscar

u me nom possam culpar

alacrã negro nem veiro.

Afonso X

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