quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Até ao fim

-Às vezes pergunto-me, quero dizer, perguntava-me:como é que chegou tudo aqui?- disse Miguel.- Perguntava-me pergunto-me, mas não muito. Tenho asco ao porquê. É a fórmula dos desocupados, dos tinhosos, dos raquíticos. Que adianta o porquê? A razão escolhe-se para ser razão. Antes de ela ser escolhida já se foi o que se tinha de ser. Mas às vezes perguntava-me como é que vim dar aqui?
Sinto no corpo o frio da madrugada. O dia despreende-se da noite devagar, traz consigo os restos da humidade. Mas no fundo do escuro, o sinal indeciso de um dia novo, como dizê-lo?um início com o esquecimento que lhe pertence do que é ruína e morte.
-Como é que foi?
Não há como é que, há só o ter chegado, que é que interessa? Não me sinto confortável em parte nenhuma do meu ser, o meu erro é orgânico e não é assim erro nenhum. Mas não me sinto bem nele, devo ter nascido em mim por engano.


Até ao fim, Vergílio Ferreira

Sem comentários:

Enviar um comentário